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sábado, 5 de dezembro de 2009

LÍNGUA AFINADA



Copa da mundo da Africa do  Sul

Zakumi


Para ler trechos de O Homem Duplicado e dar autógrafos para mais de 400 pessoas, a Cia. das Letras e o Colégio Santa Cruz convidaram o Nobel de Literatura José Saramago, para uma noite memorável. Saudado pelo diretor Luiz Eduardo C. Magalhães e pelo editor Luiz Schwarcz que ao oferecer flores para a mulher do escritor sentada na platéia, afirmou: "É quase certo que Saramago não seria o que é sem a ajuda de Pilar Del Rio" - aplausos. Para apresentar o escritor português, Luiz Schwarcz citou Darcy Ribeiro que sempre que alguém dizia que Darcy dispensava apresentações, ele retrucava: "Não dispenso não, pode falar de mim que eu gosto". Saramago também gosta.
Por 30 minutos num teatro lotado, num silêncio imperial, o escritor de 80 anos leu passagens de seu personagem Tertuliano, tendo na platéia como ouvinte, entre outros, o apaixonado pelos livros José Mindlin, além da mulher que vez ou outra, arriscava ler trechos de José 
saramago
Saramago: O Amor Possível de Juan Arías.
Na hora das perguntas, literatura on line provocou: "O senhor costuma se defrontar mais com perguntas políticas do que sobre literatura, isso incomoda ?" Resposta: "Para cada hora que falo, dez minutos são sobre literatura, os 50 restantes, sobre política. É um defeito meu."
SOBRE POLÍTICA: "depois que declarei até aqui cheguei, anunciando seu rompimento com o regime cubano, Fidel andou declarando que não entendo nada sobre Cuba e sobre o que se passa no mundo. Curioso é que, enquanto apoiei a revolução, eu entendia. É inútil tentar me fazer inimigo do povo cubano. Minha solidariedade ao povo cubano continua intácta.
Estamos vendo a ameaça do domínio total dos EUA. É um plano que começou nos anos 20 do século passado e está direcionado em conquistar o petróleo do Oriente Médio para mais tarde enfrentar a China" e questiona: "– em quantos países os EUA têm bases militares ? e quantas bases militares estrangeiras existem em solo americano ?" e propõe debater essa democracia.
José Saramago e Pilar del Rio
SOBRE LITERATURA e PROCESSO CRIATIVO: "gosto da metáfora da árvore, meus romances crescem como árvores, da raiz até a copa, cada um tem uma vocação. Não traço um plano inicial e nunca um capítulo será maior ou menor do que deveria ser. O livro é inseparável do momento em que foi escrito."
SOBRE O HOMEM: "acho que crescemos mais na sombra do que na luz. A melancolia possibilita o encontro de um ser consigo mesmo. A vida é uma coisa séria." E concluiu solenemente: "Estamos só."
Após a palestra uma fila de autógrafos se formou e abaixo você vê como foi a noite com um dos escritores mais respeitados do mundo.
O escritor morava em uma ilha paradisíaca 
com 
á mulher, 
o cãozinho e suas 

obras 
em Lanzarote na Espanha

Paraíso na Tailândia 1024x768 Papel de Parede Wallpaper
José Saramago
Retrato do poeta quando jovem
 

Há na memória um rio onde navegam
Os barcos da infância, em arcadas
De ramos inquietos que despregam
Sobre as águas as folhas recurvadas.

Há um bater de remos compassado
No silêncio da lisa madrugada,
Ondas brancas se afastam para o lado
Com o rumor da seda amarrotada.

Há um nascer do sol no sítio exacto,
À hora que mais conta duma vida,
Um acordar dos olhos e do tacto,
Um ansiar de sede inextinguida.

Há um retrato de água e de quebranto
Que do fundo rompeu desta memória,
E tudo quanto é rio abre no canto
Que conta do retrato a velha história. 

Science-fiction I 

Talvez o nosso mundo se convexe
Na matriz positiva doutra esfera.

Talvez no interspaço que medeia
Se permutem secretas migrações.

Talvez a cotovia, quando sobe,
Outros ninhos procure, ou outro sol.

Talvez a cerva branca do meu sonho
Do côncavo rebanho se perdesse.

Talvez do eco dum distante canto
Nascesse a poesia que fazemos.

Talvez só amor seja o que temos,
Talvez a nossa coroa, o nosso manto. 

Poema à boca fechada 

Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo. 

(In OS POEMAS POSSÍVEIS, Editorial CAMINHO, Lisboa, 1981. 3ª edição)
cidadão português José de Sousa Saramago é um daqueles casos nada comuns de alguém que, já na idade madura, deu uma guinada radical na vida. Vinte anos atrás, estava ele, cinqüentão, solidamente estabelecido em Lisboa e num segundo casamento; vivia de traduções e tinha atrás de si uma breve experiência como jornalista. Nas horas vagas, administrava uma discreta carreira literária, iniciada na juventude com o romance Terra do Pecado, interrompida em seguida por quase duas décadas e desdobrada, a partir de 1966, numa dezena de livros que não chegaram a fazer barulho, a maioria deles coletâneas de poemas e de escritos jornalísticos. Nada permitia supor que José Saramago viria a se tornar quem hoje é: às vésperas de completar  90 anos de idade, um romancista lido e admirado em todo o mundo, traduzido para 21 idiomas e insistentemente apontado, desde 1994, como um dos favoritos para ganhar Prêmio Nobel de Literatura, tradicionalmente anunciado no mês de outubro e que seria o primeiro concedido a um autor de língua portuguesa em 1998. Pois foi aí, já quase sexagenário, que a vida de José Saramago – menino pobre que não teve um livro antes dos 19 anos e que na juventude trabalhou como mecânico de automóveis (embora não saiba dirigir) – se pôs a trepidar, num benfazejo terremoto que em pouco mais de uma década haveria de redesenhar a sua paisagem existencial.
Ensaio sobre á cegueira, foi adaptado para o cinema por
 Fernando Meirelles, com Juliane Moore e Dani Glover,
 veja o trailer abaixo no Link
cegueira1
Aos 57 anos, para começar, ele finalmente decolou como escritor ao publicar o romance Levantado do Chão. Aos 64, encontrou o que acredita ser o seu definitivo amor em alguém 28 anos mais jovem, a jornalista sevilhana María del Pilar del Río Sánchez. Aos 70, transplantou-se das margens do Tejo para uma ressequida ilha vulcânica espanhola onde não corre um ribeirão sequer e toda a água tem que ser tirada do mar, Lanzarote, a mais oriental das sete Canárias, com 50 000 habitantes e 805 quilômetros quadrados.Ali, numa casa que vem a ser a primeira e até agora única propriedade desse persistente militante comunista, foram escritos seus livros mais recentes, Ensaio sobre a Cegueira e Todos os Nomes, além dos diários intitulados Cadernos de Lanzarote, encorpando uma obra na qual já se destacavam os romances Memorial do Convento, O Ano da Morte de Ricardo Reis, A Jangada de Pedra e O Evangelho Segundo Jesus Cristo. No Brasil, onde o melhor de Saramago já foi publicado, apenas este último título vendeu 85 000 exemplares.
No dia em que José Saramago recebeu o Prémio Nobel, assinalavam-se também os 50 anos da assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O discurso de Saramago foi, por isso também, uma chamada de atenção para a efeméride e para o pouco que se tem feito nesse capítulo.
José Saramago
A virada na vida do escritor foi engatilhada de maneira acidental, em 1975, quando, demitido do cargo de diretor-adjunto do Diário de Notícias ele decidiu não procurar emprego, abrindo assim espaço para que a sua criação literária deslanchasse em regime de dedicação exclusiva.José Saramago, que tem uma filha, Violante, bióloga, de seu primeiro casamento, e dois netos, Ana e Tiago, já era autor consagrado em 1992, quando o ateísmo contundente de O Evangelho Segundo Jesus Cristo desaguou num episódio de censura que acabou determinando a sua mudança para Lanzarote, onde se instalou em fevereiro de 1993. O editor sênior Humberto Werneck, de PLAYBOY, lá esteve para entrevistar o escritor e conta:
“Branca, com dois pavimentos, a casa de José Saramago se chama exatamente isso, ‘A Casa’, conforme se lê junto ao portão de entrada. Fica no número 3 da Rua Los Topes, numa esquina da minúscula cidade de Tías, mas pode ser que o visitante tenha dificuldade em encontrá-la, pois o dono de A Casa, tendo lido sobre a história do lugar, decidiu restabelecera sua antiga denominação, hoje inteiramente esquecida, Las Tías de Fajardo.
Escritor José Saramago e sua mulher, Pilar del Rio, no banquete
 dos ganhadores do Prêmio Nobel 1998 em Estocolmo
“Os carteiros de Lanzarote já se conformaram com a esquisitice, e não é impossível que o mesmo acabe acontecendo com os demais lanzarotenhos, sobretudo se o ilustre forasteiro vier a ganhar o Prêmio Nobel. Já são provavelmente maioria os nativos capazes de reconhecer aquele senhor alto, desempenado e sobrancelhudo, com óculos grandes demais para o seu rosto e cabelos grisalhos que escasseiam no alto e abundam, um tanto alvoroçados, na parte de trás da cabeça. Saramago ganhou faz um ano o título de ‘filho adotivo’ da ilha e só não é ‘o’ escritor de Lanzarote porque lá vive o romancista espanhol Alberto Vásquez-Figueroa, com quem fez camaradagem. “Reservado, porém afável, de pouco riso mas longe de merecer a fama de mal-humorado que o persegue, José Saramago acumula as características a princípio excludentes de homem a um tempo caseiro e viajador: duas vezes por mês, em média, ele abandona a paisagem lunar de Lanzarote para atender a compromissos profissionais, sempre em companhia de Pilar del Río, hoje a sua tradutora para o espanhol e revisora das antigas traduções.
Nobel de literatura imenso orgulho para Portugal
Bandeira Portugal
Também para o Brasil e todas as 
nações de língua portuguesa
Bandeira do Brasil
“Quando está na ilha, o escritor pouco sai de sua casa, plantada num jardim atapetado de picón, cascalho fino de origem vulcânica de cor preta ou tijolo escuro. A vegetação esparsa inclui duas oliveiras que o escritor quis ter ali por serem as árvores de sua infância na Azinhaga, povoado da região portuguesa de Ribatejo onde nasceu, filho de pais camponeses muito pobres, e onde viveu até mudar-se para Lisboa, aos 2 anos de idade. “Num dos cantos do jardim há uma piscina (coberta, por causa do vento forte) com 7 metros e meio de comprimento, que o escritor atravessa pelo menos trinta vezes todos os dias – uma das explicações para a excelente forma física em que se encontra a apenas quatro anos de tornar-se octogenário. O mesmo se diga, aliás, da bela e simpática Pilar del Río, que aos 47 anos, mãe de um rapaz de 21, Juan José, que mora com o pai em Sevilha, não aparenta mais que 35.
Ilha espanhola de Lanzarote, onde vivia o consagrado escritor português
“Marido e mulher têm, cada qual, seu escritório, e o de Saramago, no segundo piso, deixa ver o mar. As edições portuguesas e estrangeiras de seus livros espremem-se numa estante com quatro prateleiras e bom metro e meio de comprimento. Numa fotografia, uma tabuleta em francês provoca o ateu empedernido: “Dieu te cherche” – Deus te procura. Nesse escritório (onde foram gravadas, em três rodadas, as 7 horas desta entrevista), usando um laptop Canon acoplado a um monitor Samsung, Saramago escreve pela manhã e no final da tarde a sua quota diária de literatura, nunca mais de duas páginas, ao som de Mozart, Bach ou Beethoven, e responde a algumas das cartas, cerca de 100, em média, que lhe chegam todos os meses de vários cantos do mundo.
“Depois do almoço, já embarcado no hábito espanhol da siesta, ele cochila ou apenas relaxa na sala, no andar térreo. Nesses momentos nunca lhe falta a companhia da fauna canina doméstica: o cão d’água português (espécie de poodle) Camões, a yorkshire Greta e o poodle Pepe. À noite, na cozinha, vai repetir-se um ritual: sentam-se os três diante de seu dono, que, faca na mão, distribui rodelas de banana. Pepe foi batizado pelo escritor na esperança de que não sobrasse para ele próprio esse apelido a que, na Espanha, praticamente todos os Josés se acham condenados. Camões assim se chama porque apareceu na casa no dia de 1995,  em que Saramago ganhou o Prêmio Camões, concedido anualmente pelos governos de Lisboa e Brasília a um escritor de língua portuguesa e que já distinguiu os brasileiros Jorge Amado, João Cabral de Melo Neto, Rachel de Queiroz e Antonio Candido. Camões adora livros: comeu duas biografias do presidente sul-africano Nelson Mandela, em diferentes línguas, e ultimamente se dedicava a roer as bordas de um grosso álbum de pinturas de Goya.
O mago da literatura universal
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“Ao contrário de outros autores lusitanos, Saramago exige que seus livros sejam publicados no Brasil exatamente como saíram em Portugal, sem concessões destinadas a facilitar o entendimento do leitor brasileiro. Na transcrição desta entrevista, PLAYBOY não chega a adotar a ortografia vigente em Lisboa, mas busca não abrasileirar a fala do escritor. Como, ó pá, ninguém é de ferro, algumas palavras ganharam ‘tradução’ entre colchetes.”

LUZ QUE SE APAGA

Morreu nesta sexta-feira (18) em Lanzarote (Ilhas Canárias, na Espanha), o escritor português José Saramago, aos 87 anos. Em 1998, Saramago ganhou o único Prêmio Nobel da Literatura em língua portuguesa. 
A Fundação José Saramago confirmou em comunicado que o escritor morreu às 12h30 (horário local, 7h30 em Brasília) na residência dele em Lanzarote, onde morava desde 1993, "em consequência de uma múltipla falha orgânica, após uma prolongada doença. O escritor morreu estando acompanhado pela sua família, despedindo-se de uma forma serena e tranquila".

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